O físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser é o vencedor do prestigioso Prêmio Templeton de US $ 1,4 milhão, por seu trabalho misturando ciência e fé, apresentado no início deste ano em Hanover, New Hampshire, nos EUA.
Marcelo Gleiser, de 60 anos, é o primeiro latino-americano a ganhar o prêmio, que homenageia “uma pessoa viva que fez uma contribuição excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida”, afirmou a Fundação John Templeton, com sede nos EUA, em um comunicado em seu site, divulgado em março deste ano.
Gleiser é professor da universidade particular americana Dartmouth College, em New Hampshire; escreveu livros “best-sellers” e apareceu em inúmeros programas de TV e rádio, discutindo a ciência como uma busca espiritual para entender as origens do universo e da vida na Terra.
O físico nasceu no Rio de Janeiro, em uma família influente da comunidade judaica carioca; estudou no Brasil e na Grã-Bretanha e se juntou ao departamento de física e astronomia de Dartmouth em 1991.
Prêmio Templeton
Entre os vencedores anteriores do prêmio, iniciado em 1972 pelo investidor John Templeton, estão Madre Teresa, que recebeu o prêmio inaugural em 1973, o Arcebispo Desmond Tutu em 2013 e o vencedor de 2017, o filósofo Alvin Plantinga.
Gleiser receberá formalmente o Prêmio Templeton em uma cerimônia pública em Nova York, em 29 de maio deste ano.
“O caminho para a compreensão e a exploração científica não é apenas sobre a parte material do mundo, mas também é uma parte espiritual do mundo”, disse Gleiser.
O físico carioca foi ganhador de diversos prêmios. Em 1994, recebeu o Presidential Faculty Fellows Awards pelo trabalho em cosmologia e dedicação ao ensino. Em 1995 recebeu o Dartmouth Award for Outstanding Creative or Scholarly Work e em 2001, o José Reis de Divulgação Científica, sendo eleito no mesmo ano membro da American Physical Society. Em 1998 e 2002 recebeu o prêmio Jabuti.
Fé e Ciência
“A ciência não quer tirar Deus das pessoas, mesmo que alguns cientistas o façam”, assegurou Gleiser contando a sua história para a revista Orbiter.
O centro de pesquisas norte-americano Pew Research, descobriu que os cristãos costumam ver ciência e religião andando de mãos dadas. De acordo com a pesquisa, frequentadores regulares de igreja estão menos propensos a ver as duas esferas da vida em conflito (50%), do que aquelas que frequentam raramente ou nunca (73%).
Além de estudar e pesquisar sobre a origem da vida na Terra, Gleiser também investiga a possibilidade de vida além do planeta e promove o diálogo e a pesquisa sobre questões que vão da evolução ao perdão.
O aclamado físico vê seu papel de trazer investigações científicas sobre a vida das pessoas e da fé, e ressaltar a sensação de mistério que compartilham. Gleiser encoraja a trazer as questões religiosas para o campo científico, ao sugerir que a ciência e a fé representam expressões complementares em torno do desconhecido.
“Minha missão é trazer de volta à ciência, e às pessoas que estão interessadas em ciência, esse apego ao misterioso, para que as pessoas entendam que a ciência é apenas uma outra maneira de nos envolvermos com o mistério de quem somos“, afirmou Gleiser em entrevista para a revista norte-americana Christianity Today.
O físico considera o ateísmo inconsistente com o método científico: “Você pode não acreditar em Deus, mas afirmar sua inexistência, com certeza não é cientificamente consistente”, disse Gleiser em uma entrevista no ano passado para a Scientific American.
Como diretor do Instituto de Engajamento Interdisciplinar da Universidade de Dartmouth, Gleiser abriu espaço para que a ciência e a humanidade trabalhassem juntas, em torno de questões relevantes científicas e da fé.
Ele também participou do diálogo científico com o clero católico, embora, como agnóstico, ele se oponha ao literalismo bíblico e não veja um lugar para os textos religiosos “explicarem, preverem e descreverem os fenômenos naturais de maneira científica”.
Visão cristã sobre Gleiser
Roberto Covolan, físico, professor, vice-diretor do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia BRAINN e presidente da Associação Brasileira de Cristãos em Ciências, vê potencial para uma fé mais frutífera e um diálogo científico.
Covolan frequenta a Igreja Batista Fonte, de Campinas-SP, onde tem ministrado cursos sobre a relação entre Fé Cristã e Ciência Contemporânea.
“Nesse sentido, é uma fonte de alegria saber que cientistas como Marcelo Gleiser, através de seus trabalhos e iniciativas, estejam reconhecendo a existência de aspectos do universo, revelados pela ciência, cuja compreensão desafia ou até ultrapassa o alcance da própria ciência”, disse Covolan em entrevista para Christianity Today.
Seus títulos de livros mostram como a dimensão espiritual informa suas atividades científicas: A Dança do Universo, A Harmonia do Mundo, Criação Imperfeita, Micro Macro, O Fim da Terra e do Céu, O Livro do Cientista, Poeira das Estrelas.
“Gleiser não compartilha, neste momento, quaisquer crenças religiosas específicas que possam formar um terreno comum com a fé cristã; ele é confessadamente agnóstico. Mas sua compreensão dos limites da ciência e do enraizamento espiritual da ciência e da fé estão na direção certa“, disse Guilherme de Carvalho, pastor, teólogo e vice-presidente da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência.
Guilherme é mineiro, diretor de L’Abri Fellowship Brasil e membro da equipe pastoral da Igreja Esperança, em Belo Horizonte; suas especialidades são a teologia filosófica e a filosofia da religião.
“Sua visão de que ciência e religião podem ser complementares, que a ciência não cobre todo o conhecimento válido e que a ciência teria raízes espirituais, é incomum entre os cientistas influentes no Brasil; e o fato dele ser franco sobre isto o torna singular ”, disse o teólogo Guilherme de Carvalho, em entrevista para Christianity Today.
Durante sua carreira, Gleiser se tornou mais cético e em vez de encontrar admiração no desequilíbrio, encontrou perfeição matemática no universo. Ele critica a visão de que a física já resolveu questões sobre as origens do universo, abrindo espaço para fé.