
Uma nova série de documentos do Twitter Files revela que o presidente da França, Emmanuel Macron (Partido Renascimento), articulou um sistema de ‘censura indireta’ em 2020 para influenciar a rede social X/Twitter. A manobra envolvia a atuação de ONGs com financiamento estatal e agências governamentais, que ajuizavam ações contra a plataforma com o objetivo de forçar a moderação de conteúdos classificados como ofensivos.
De acordo com a apuração dos jornalistas franceses Pascal Clérotte e Thomas Fazi, publicada nesta quinta-feira (4), o método consistia em usar o Judiciário como instrumento de pressão, por meio de ações movidas por organizações que acusavam o Twitter de negligência no combate ao chamado discurso de ódio. A intenção, segundo os autores, não era obter vitórias jurídicas, mas gerar desgaste público e político à empresa.
Contatos diretos e tentativas de interferência
E-mails obtidos na investigação mostram que Macron insistiu, em diversas ocasiões, para obter o número de telefone do então CEO do Twitter, Jack Dorsey. A intenção era discutir diretamente as diretrizes de moderação relacionadas à integridade eleitoral. A equipe da plataforma, no entanto, negou o pedido, alegando que o executivo não possuía celular pessoal e só poderia ser contatado por intermédio de seu gabinete.
As tentativas de contato ocorreram em paralelo ao ingresso simultâneo de ações por quatro ONGs com histórico de financiamento público: SOS Racismo, SOS Homofobia, União de Estudantes Judeus da França e J’accuse. Todas alegavam omissão do Twitter na remoção de conteúdos ofensivos a minorias.
Segundo os jornalistas, a operação envolvia mais que litígios isolados. “O governo tentou burlar a lei utilizando ONGs financiadas pelo Estado como agentes de execução, exercendo pressão pública e litígios estratégicos para coagir plataformas a práticas de moderação que excedem suas obrigações legais. Sob Macron, o Estado está determinado a minar o padrão internacional de ‘país de origem’, que determina que o conteúdo digital deve obedecer às leis do país onde é produzido, não àquelas de onde é consumido”, afirmaram Clérotte e Fazi.
Ações judiciais
O período das ações coincidiu com a tramitação da Lei contra o conteúdo de ódio na internet, apelidada de Lei Avia, em alusão à deputada Laetitia Avia, autora do projeto. Embora aprovada na Assembleia Nacional, a norma teve os principais dispositivos suspensos pela Justiça.
Os arquivos indicam que as ações judiciais não partiram espontaneamente das ONGs, mas fariam parte de uma estratégia coordenada envolvendo o Palácio do Eliseu. O objetivo seria ampliar a influência estatal sobre as plataformas digitais e impor um padrão de moderação alinhado aos interesses do governo francês.
A investigação também aponta que executivos do Twitter chegaram a negociar um possível acordo para encerrar as ações, incluindo o envio de dados internos às entidades. A proposta foi recusada porque as ONGs não aceitaram desistir dos processos. Uma alternativa sugerida foi uma carta assinada por Dorsey reconhecendo as preocupações das organizações e prometendo atuação conjunta, mas a ausência de garantias inviabilizou a proposta.
Caso paralelo com modelo francesa
Outro episódio listado envolve a modelo April Benayoum, vice-campeã do Miss França 2021, que acionou a Justiça contra o Twitter por não remover postagens antissemitas. Segundo os documentos, a defesa utilizou “argumentos emocionais”, como menções ao Holocausto e ao regime nazista, para justificar o pedido de acesso a dados da plataforma. O caso foi encerrado 15 meses depois mediante acordo confidencial.
Atuação internacional
“Os Twitter Files revelam um aspecto até então desconhecido da ascensão do Complexo Industrial da Censura: o papel daquele país [França] no pioneirismo da censura governamental por procuração de ONGs. […] O envolvimento ativo de Macron ressalta a grande importância que o governo atribuiu à influência das plataformas de mídia social para criar, controlar e censurar narrativas”, afirmaram Clérotte e Fazi.
Investigações semelhantes também foram conduzidas sobre a atuação de autoridades no Brasil, como o Poder Judiciário, para influenciar diretamente nas políticas internas da plataforma X.