Foto: Juan Adenoitte
Foto: Juan Adenoitte

Em um painel sul-americano marcado por avanços legais e sociais relacionados aos direitos da comunidade LGBTQIA+, o Paraguai é exceção por manter uma postura institucional centrada no modelo tradicional de família. Com uma legislação que define o casamento exclusivamente entre homem e mulher, currículo escolar sem menções à diversidade sexual e resistência política a pautas de gênero, o país é hoje apontado por diferentes organizações como o mais alinhado à agenda pró-família na região.

Segundo a ILGA World, o Paraguai é um dos poucos países da América do Sul que não reconhece qualquer forma de união civil ou casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Constituição paraguaia estabelece que a família é “fundada na união entre homem e mulher”, o que limita legalmente o reconhecimento de novos arranjos familiares. Além disso, o país não possui legislação antidiscriminatória abrangente que contemple orientação sexual ou identidade de gênero.

Progressistas minam bases do país

Em 2023, o Departamento de Estado dos Estados Unidos publicou um relatório controverso em que aponta a falta de proteção legal para pessoas LGBTQ+ no Paraguai. De acordo com o documento, a ausência de mecanismos institucionais para reconhecer direitos dessa população contribui para um ambiente de vulnerabilidade e exclusão.

Na área educacional, o eixo é sustentado pelo mesmo padrão. Uma matéria do The Guardian, publicada em setembro de 2024, reportou que o Ministério da Educação do Paraguai elaborou um currículo nacional de educação sexual atualizado. O documento omite completamente qualquer referência à comunidade LGBTQ+, além de promover dados técnicos de saúde como a eficácia do uso de preservativos e a valorização da abstinência sexual como conduta segura. O conteúdo gerou críticas de educadores progressistas e organizações internacionais alinhadas à esquerda, que acusaram o país de não seguir diretrizes da ONU sobre educação sexual inclusiva.

A senadora paraguaia Esperanza Martínez, em entrevista à agência AP, classificou o material como “uma afronta à ciência e aos direitos das crianças e adolescentes”. Ainda segundo a AP, a construção desse currículo foi fortemente influenciada por setores religiosos e conservadores, que vêm ganhando espaço no debate público nacional.

Um país fora da curva regional

A visibilidade pública de agendas voltadas à diversidade sexual também não possui força no país. Em relatório recente, a Amnesty International listou que a população LGBTQ+ no Paraguai é, de fato, retrato minoritário. Um levantamento citado pela organização mostra que o país registra uma das taxas mais baixas de apoio popular ao casamento igualitário em toda a América do Sul. A apoio institucional à família se estende também a tentativas de organização social. Em 2023, o Parlamento paraguaio discutiu um projeto de lei que visava proibir “a promoção da ideologia de gênero” nas escolas, ONGs e eventos culturais. A proposta foi denunciada por entidades como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como uma ameaça à liberdade de expressão e ao direito à educação plural.

Ainda que organizações internacionais levantem críticas quanto ao suposto cerceamento de liberdades no Paraguai, esse diagnóstico encontra resistência entre diversos setores da própria sociedade civil paraguaia. A realidade institucional do país mostra que o ambiente democrático é preservado, com espaço aberto para o debate público e para manifestações divergentes. O país mantém imprensa livre, partidos de diferentes espectros ideológicos em atuação, além de permitir que movimentos sociais e organizações não governamentais atuem legalmente, mesmo quando em discordância com valores majoritários.

Constituição, limites legais e democracia preservada

Na prática, a propositura de leis como a que buscava limitar a atuação da chamada ‘ideologia de gênero’ não configura necessariamente censura, mas sim uma resposta legislativa de representantes eleitos a demandas sociais específicas. O debate seguiu todos os trâmites constitucionais, foi discutido em sessões abertas no Parlamento e recebeu pareceres de juristas e entidades diversas. A convivência entre posições antagônicas é justamente um traço da pluralidade democrática paraguaia, um país que, embora majoritariamente conservador em valores, não impede o livre exercício da crítica nem a existência de iniciativas progressistas.

Em termos de discursos políticos, o atual governo do presidente Santiago Peña sustenta a defesa da “família como núcleo essencial da sociedade”. Em declarações públicas e medidas legislativas, a gestão manifesta oposição explícita a avanços em pautas de diversidade de gênero, reforçando a imagem do Paraguai como bastião dos chamados valores conservadores na região.A ativista trans Yrén Rotela, em entrevista à Associated Press, resumiu o panorama vivido por parte da população: “Temos uma cultura onde homens são homens, mulheres são mulheres, e qualquer outra coisa é vista como uma ameaça à ordem”.

Ativistas de esquerda tentam reverter realidade no país há décadas

A declaração da ativista, embora retrate uma percepção legítima de experiências individuais, não pode ser generalizada como diagnóstico absoluto da sociedade paraguaia. A cultura da raça guarani, como em qualquer democracia plural, abriga tensões e disputas locais, mas isso não equivale a uma hostilidade sistêmica. A existência de lideranças trans como a própria Yrén, que atuam publicamente, dialogam com a imprensa internacional e participam de fóruns institucionais, é indicativo de que há canais legítimos de expressão para minorias de identidade.

No relatório Freedom House 2025 sobre o Paraguai, o país obteve uma pontuação total de 63 em 100 na categoria “Parcialmente Livre”, o que indica a existência de liberdades civis e políticas efetivas, inclusive liberdade de associação e de expressão, ainda que com ressalvas. O funcionamento da sociedade civil também é registrado em relatórios como o da Humanists International, que afirma que o Paraguai mantém uma cultura sólida de organizações não governamentais atuando livremente na área de direitos humanos e governança. Outro dado, como o relatório anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos, na edição de 2023, lista que ONGs voltadas à defesa da população LGBTQ+, como SOMOS GAY e Panambí, seguem ativas e com presença em fóruns institucionais no país.

Traço cultural preservado

A base social do Paraguai segue ancorada em valores conservadores e na defesa institucional da família tradicional como núcleo estruturante da sociedade. É, na prática, um traço cultural presente não apenas nos costumes cotidianos, mas também na condução do Estado, nas diretrizes de políticas públicas e na formulação de legislações. Ao contrário de boa parte do continente, o país mantém resistência explícita a mudanças bruscas no campo dos costumes, sustentando uma linha de continuidade que preserva o vínculo entre identidade nacional e estrutura familiar. Pesquisas do Pew Research Center indicam que, entre os países da América Latina, o Paraguai está entre os que demonstram maior adesão a modelos sociais conservadores, com rejeição quase absoluta a pautas como aborto legal e casamento homoafetivo. A leitura populacional recai na atuação legislativa, no conteúdo escolar e na formulação de campanhas institucionais ligadas à saúde e à educação.

Partido Colorado forte

O Partido Colorado, força hegemônica na política paraguaia há mais de sete décadas, representa com precisão essa orientação. Fundado em 1887 e consolidado como principal legenda do país desde a metade do século XX, o partido carrega um histórico de defesa da ordem, da família e dos valores cristãos. Em 2023, a legenda continuou vencendo as eleições presidenciais com Santiago Peña, que superou 40% dos votos válidos e consolidou maioria no Senado e na Câmara. Em votos, o desempenho foi um dos melhores já registrados, e foi projetado pela imprensa internacional não apenas como força eleitoral do partido, mas também a identificação popular com a sua linha ideológica. Mesmo entre setores críticos, o Partido Colorado é visto como uma estrutura capaz de sustentar os valores fundacionais do país. Isso explica apoios pontuais de lideranças de fora do espectro oficialista, que reconhecem na legenda um contrapeso às pressões externas por reformas de costumes. Na aplicação concreta, a sigla funciona como uma âncora institucional frente ao avanço de agendas culturais alinhadas a visões pós-modernas ou progressistas.

Sem fugir ao que se projeta, a realidade local do país provoca desconforto em atores regionais e movimentos transnacionais alinhados à esquerda. A dificuldade em consolidar agendas progressistas no Paraguai é atribuída, por analistas, não a mecanismos repressivos, mas à ausência de adesão popular. A sociedade paraguaia, em sua maioria, não se identifica com discursos voltados à desconstrução do modelo familiar tradicional, tampouco com propostas que relativizam conceitos biológicos ou religiosos. Relatório da ILGA World confirma que o país permanece com uma visão de mundo muito próxima aos de seus fundadores, enquanto dados da Latinobarómetro vão na contramão. Relatórios mostram que o povo guarani ontem traço estrutural da cultura local, que é marcada também por senso de reconstrução nacional. Após a dizimação de sua população em guerras históricas, o país desenvolveu uma mentalidade voltada à estabilidade, ao trabalho e à edificação de bases sólidas para o crescimento.

Cristianismo como ponto mais alto

Junto a isso, o vínculo religioso exerce função de liga. Majoritariamente cristão, com predominância católica, o Paraguai também presencia um avanço acelerado do segmento evangélico. Estima-se que, nos próximos anos, a população protestante ultrapasse a marca de 1 milhão de fiéis, em um país com aproximadamente 7 milhões de habitantes, impulsionada por igrejas como a Centro Familiar de Adoración (CFA), a maior denominação evangélica do país. A presença protestante no Paraguai começou a se expandir a partir da década de 1980, em um movimento ainda tímido à época, mas que ganhou corpo nas décadas seguintes. Embora continue sendo minoria em um país de maioria católica, o segmento evangélico vem ampliando sua inserção nas zonas urbanas e periféricas, com maior visibilidade institucional e adesão popular. Ao longo dos anos, essas igrejas passaram a ocupar também um espaço no campo social. Mais do que centros de culto, tornaram-se pontos de apoio comunitário, oferecendo cursos profissionalizantes, auxílio básico e ações voltadas à inserção de famílias em situação de vulnerabilidade. Denominações como a CFA, citada acima, lideram esse processo com estratégias que combinam evangelismo, batismos e projetos de impacto direto na redução da pobreza e no estímulo à empregabilidade, como cursos profissionalizantes.