O ROSTO DOS DEBATES

Charlie Kirk: tudo o que você precisa saber sobre a vida, legado e assassinato do maior mobilizador jovem do conservadorismo nos EUA

Direitista evangélico de 31 anos arrastava multidões em igrejas, lotava arenas e universidades. Foi o principal aliado de Donald Trump na missão de conquistar o apoio de jovens, negros, hispânicos, asiáticos, gays e eleitores indecisos. Sua atuação foi decisiva para a onda histórica de votos recebida pelo republicano nas eleições de 2024.

Foto: Gage Skidmorego
Foto: Gage Skidmorego

O ativista Charlie Kirk, assassinado na última quarta-feira, 10, durante uma palestra na Universidade do Vale de Utah, era muito mais do que um militante político. Ele foi o rosto de uma geração conservadora nos Estados Unidos. Fundador da organização Turning Point USA, Kirk emergiu como a principal ponte entre o conservadorismo americano e a juventude universitária, alcançando multidões e reconstruindo toda a estratégia de engajamento político da direita.

Cristão evangélico, membro da Dream City Church, uma igreja pentecostal ligada às Assembleias de Deus com forte atuação em Phoenix, Arizona, Kirk enxergava seu trabalho como um chamado espiritual, uma missão de vida. Em suas próprias palavras, dizia que “a salvação individual transforma a alma, mas a cultura só muda quando a verdade é proclamada publicamente”. Ele acreditava que o cristianismo autêntico precisava sair dos templos e ocupar os espaços de decisão, os centros acadêmicos, os parlamentos e as mídias, com o interesse final em dominar todas as esferas da sociedade.

Foi nesse espírito ele que passou a rodar igrejas por todos os Estados Unidos. Além de arenas lotadas por jovens cristãos, era tratado como um mensageiro de uma causa maior: restaurar os valores da fé, da liberdade e da vida.

A criação da TPUSA e o início da influência nacional

Charlie começou a ganhar projeção em meados de 2012, durante a campanha de reeleição de Barack Obama, quando fundou a TPUSA com apenas 18 anos. Sem ter completado a faculdade, algo que usava como provocação pública ao dizer que mesmo sem diploma conseguia derrotar professores em debates, o jovem de Illinois montou uma rede nacional de clubes estudantis conservadores.

A Turning Point cresceu rapidamente e hoje conta com mais de 850 núcleos em universidades dos EUA. O conteúdo gerado por Kirk e seus aliados não se restringia ao ambiente acadêmico, mas rompia todas as fronteiras institucionais dos redutos de ensino e invadia o debate cultural.

Com mais de 30 milhões de seguidores somados nas redes sociais e bilhões de visualizações acumuladas, ele se tornou um dos maiores influenciadores políticos da direita cristã. Seu talk show diário, com três horas de duração, era distribuído via podcast e rádio, alcançando milhões de ouvintes. Somente seu canal de vídeos já ultrapassava a marca de 2,2 bilhões de acessos, e seus livros — incluindo o best-seller The Maga Doctrine, de 2020 — sustentaram seu nome como um dos principais formuladores ideológicos do trumpismo entre os mais jovens.

Foto: Gage Skidmorego
Foto: Gage Skidmorego

Presença em igrejas, auditórios e arenas lotadas

Nos púlpitos, nas plataformas digitais e nos palanques improvisados das universidades, Kirk arrastava verdadeiras multidões. Seus eventos se tornaram ponto de encontro para jovens conservadores, estudantes indecisos, cristãos ativistas e até grupos considerados marginalizados dentro do espectro da direita tradicional, como latinos, negros e membros da comunidade LGBT que rejeitavam o progressismo.

Lotava arenas, auditórios e igrejas com discursos que mesclavam fé, crítica cultural, mobilização política e defesa de princípios morais. A força de sua mensagem fez com que se tornasse líder central nas estratégias eleitorais do Partido Republicano, sobretudo na campanha vitoriosa de Donald Trump em 2024.

Mais do que cabo eleitoral, Kirk foi arquiteto de uma virada geracional no conservadorismo americano, uma mudança que colocou Trump à frente entre eleitores jovens e em segmentos onde o republicano jamais havia vencido antes.

Influência decisiva na vitória de Trump em 2024

O ‘efeito Charlie Kirk’ na eleição presidencial de 2024 foi definitivo e acachapante. Andando de ponta a ponta do país como um dos maiores aliados de Trump, ele organizou caravanas, eventos, campanhas de registro de eleitores e mobilização massiva nas redes. Seu desempenho foi crucial para que o Partido Republicano rompesse barreiras históricas, conquistando votos entre jovens, negros, hispânicos, asiáticos, gays, imigrantes e indecisos. Ele não apenas dialogava com esses grupos, mas representava também um novo tipo de voz conservadora: a que compreendia as angústias da geração Z e apontava caminhos concretos, que sempre estiveram entre os maiores problemas dos norte-americanos, longe das utopias esquerdistas. Charlie se ancorava na responsabilidade individual, na fé, na liberdade econômica e no resgate da moral para tornar a “América Grande Outra Vez”, lema que o próprio encabeçou a criar.

Foi a partir dele que, em 2012, grupos e movimentos gays em apoio a Donald Trump —que viria a ser candidato em 2016— passaram a crescer e a se espalhar nos Estados Unidos. Páginas como ‘gays de direita’ foram se multiplicando na rede social Facebook e em fóruns na internet. Kirk passou a unir as alas mais liberais aos tradicionais redutos conservadores. Antes mesmo de o trumpismo ganhar corpo, Kirk já preparava o caminho que pavimentou a força republicana dentro e fora das bases do Partido Republicano, a ponto de arrancar até mesmo grandes cabeças da ala independente, que passaram a pular para o lado republicano graças a Kirk.

De sorriso fácil e abraçando sempre sua plateia ao final de cada evento em suas turnês, ele tinha uma retórica simples, embasada na Bíblia e na Constituição americana. Quando abria a boca, encantava plateias por suas argumentações lógicas ‘até demais’. Em muitas igrejas, era anunciado como “profeta cultural” de sua geração; em tantos jornais, foi retratado como “o invencível nos debates”. De fato, ele não perdia um duelo sequer. E era isso que fazia com que crescesse sem parar. Quem ouvia Charlie Kirk era convencido por ele e acabava repensando suas bandeiras políticas e sociais e, ao final das performances, mudava de lado. Era sempre assim. E isso passou a incomodar os seus adversários. Não à toa, o resultado eleitoral dos EUA foi inédito em 2024. O culpado disso tudo? Kirk. O Partido Republicano conseguiu atropelo inimaginável em todos os estados-pêndulo. Onde o mapa era pintado de azul, ao final das apurações se tornou vermelho. O trumpismo recebeu a maior votação que um presidente já havia obtido nos últimos pleitos.

Foto: Gage Skidmorego
Foto: Gage Skidmorego

Enfrentamentos ideológicos e ambiente de hostilidade

Kirk acumulava inimigos. Mesmo moderado, a atuação incisiva contra o aborto, a ideologia de gênero, a legalização de drogas, os movimentos progressistas e as políticas de imigração irrestrita o colocaram na mira da esquerda americana.

Ele frequentemente criticava o Black Lives Matter, o ativismo LGBT, a atuação da grande mídia, a hegemonia ideológica nas universidades e o que chamava de “indústria da vitimização”. Combativo, não evitava confronto. Denunciava abertamente professores, jornalistas, celebridades e parlamentares progressistas.

Para seus opositores, Kirk era um símbolo do reacionarismo juvenil e do fascismo do século XXI. Para seus apoiadores, era a encarnação da resistência à cultura do cancelamento, à censura institucional e à degradação moral do Ocidente.

O clima de hostilidade se agravou nos últimos anos, com protestos, censura e ameaças — muitas vezes explícitas — em eventos públicos.

Assassinato em Utah

A radicalização encontrou seu ápice na tarde de quarta-feira, 10 de setembro de 2025, quando Kirk foi baleado no pescoço durante uma palestra na Universidade do Vale de Utah, na cidade de Orem. O disparo partiu de um prédio a cerca de 200 metros de onde ele se apresentava. No momento do ataque, respondia a perguntas sobre tiroteios em massa e violência armada. O criminoso chegou ao campus às 11h52 (14h52 em Brasília), conforme os agentes policiais — pouco menos de meia hora antes de Charlie ser executado diante de uma multidão.

O ataque, gravado por câmeras locais, percorreu o mundo e chocou até setores neutros da opinião pública. Inicialmente, o diretor do FBI, Kash Patel, informou que o acusado do atentado estava sob custódia. Horas depois, veio a correção: o autor havia sido liberado após interrogatório, o que gerou indignação imediata entre aliados e familiares. Seguidores de Kirk também reclamaram da decisão, sob alegação de uma detenção temporária era necessária para extrair do suspeito informações, já que muitos relatos inicias o colocavam em uma situação questionável.

A TPUSA, inclusive, enquadrou o crime como atentado político com motivação ideológica.

Foto: Gage Skidmorego
Foto: Gage Skidmorego

Celebrações da esquerda e indignação entre conservadores

A tragédia escancarou o estado de radicalização da extrema esquerda nos EUA. Diversos ativistas e influenciadores de esquerda passaram a comemorar publicamente a morte de Kirk. Vídeos viralizaram nas redes com frases como “acertamos no pescoço” e montagens debochando do assassinato.

Jovens dançaram, fizeram memes, e figuras públicas minimizaram a gravidade do ocorrido. A internet foi tomada por comentários de desprezo e festejo da tragédia.

Do outro lado, milhares de igrejas se mobilizaram em oração, vigílias e cultos em homenagem ao ativista. Parlamentares republicanos trataram o atentado como execução política. A viúva de Kirk, com quem ele era casado e pai de dois filhos pequenos, pediu respeito e disse que continuará o legado do marido.

Dedicação total e propósito de vida

Charlie Kirk viveu para cumprir um propósito, que era o de mobilizar, formar e inspirar uma geração de cristãos e conservadores a não se calarem. Sua vida foi inteiramente dedicada à causa que abraçou ainda adolescente. Passou mais de uma década viajando, escrevendo, falando e se expondo diariamente. Amava o que fazia e fazia com intensidade, paixão e entrega total. Ele acreditava que essa era a batalha mais importante do século, a batalha pela alma da América. A forma como morreu, enquanto defendia a liberdade de expressão e o direito à legítima defesa, sintetiza a integralidade de sua trajetória. Defensor da 2ª Emenda, foi morto por uma arma. Apóstolo da liberdade, foi silenciado por quem não tolerava sua voz.

Legado e a continuidade do movimento

Seus seguidores não veem sua morte como o fim. Ao contrário, dizem que a missão apenas começou. A Turning Point USA anunciou a criação de um instituto que levará seu nome. Igrejas continuam promovendo eventos com sua imagem e suas mensagens. Pastores e líderes políticos têm repetido que “Charlie não morreu, ele foi plantado”. A frase remete a uma de suas falas mais famosas: “Se um homem morre por uma ideia, essa ideia se torna imortal.”