A narrativa está pronta. Mais uma vez, Lula, seu governo e os aliados — sejam eles políticos ou midiáticos — não estão dispostos a fazer qualquer autocrítica. No circuito institucional e nos bastidores da grande imprensa, a diretriz é clara: sustentar a imagem de um Lula firme, altivo e defensor do Brasil diante da ofensiva tarifária imposta por Donald Trump. O movimento não é novo, mas se repete com roupagem adaptada à conjuntura: onde há crise, o governo vê oportunidade para projetar discurso, inverter realidades e tentar transformar vulnerabilidade em força.
A ameaça mais recente da Casa Branca — de taxar em 50% todos os produtos brasileiros, com foco em commodities estratégicas e bens industrializados — provocou choque imediato em setores produtivos do Brasil. A medida não foi isolada nem improvisada. Representa uma recalibração nas relações comerciais com o Brasil à luz da nova doutrina econômica adotada por Trump, centrada na defesa do mercado interno norte-americano e em pressões políticas sobre parceiros que, na avaliação da Casa Branca, não vêm cooperando no cenário geopolítico global.
A resposta do governo Lula, no entanto, evitou a via técnica ou diplomática tradicional. Em vez de buscar canais de negociação direta ou envolver atores estratégicos do setor privado, o Planalto optou por politizar o conflito, tratando-o como uma espécie de arena simbólica. Lula gravou vídeos, fez acenos irônicos a Trump e passou a utilizar a crise como plataforma de afirmação pessoal. O gesto turbina mais do que uma estratégia de contenção, por se tratar de uma tentativa clara de reposicionamento narrativo num momento em que a aprovação do governo oscila e os efeitos econômicos das medidas americanas ainda não foram completamente absorvidos.
Nesse vácuo de racionalidade, a imprensa aliada já prepara o terreno para difundir a tese de que a crise com os Estados Unidos pode render dividendos políticos ao presidente. Artigos, análises e colunas têm ensaiado a narrativa de que Lula estaria ganhando fôlego ao assumir uma postura “nacionalista” e resistente, como se o embate com Trump fosse, por si só, um capital simbólico valioso a ser explorado domesticamente. É, na prática, uma engenharia retórica que aposta no desgaste da figura de Trump entre parte do eleitorado brasileiro e no imaginário antiamericano historicamente cultivado por segmentos da esquerda.
Ocorre que a realidade se impõe em outra direção. A substituição recente do adido militar brasileiro em Washington expõe o esgarçamento das relações institucionais entre os dois países. Fontes diplomáticas relatam que novas sanções estão em análise nos Estados Unidos e que o clima de instabilidade pode afetar diretamente exportações, investimentos e a posição brasileira em fóruns internacionais. Mesmo assim, o governo Lula sugere abertamente ter escolhido blindar a si mesmo com discurso e imagem, o que pode deixar em segundo plano a complexidade das consequências comerciais, diplomáticas e geopolíticas da crise.
A aposta imaginária do “Lula nacionalista” não é apenas arriscada — é, sobretudo, indicativa de uma escolha deliberada pelo confronto performático em vez da negociação pragmática. No fundo, é o velho script: quando não se pode resolver, encena-se. E com a ajuda de setores da mídia, constrói-se um enredo onde o governo não erra, apenas resiste. Mesmo que a conta, como de costume, fique para todo o país.