SUPREMA CORTE

Folha de S.Paulo vê risco de censura e critica STF por derrubar pilar do Marco Civil

Editorial diz que decisão judicial estabelece deveres vagos às plataformas, ignora o Legislativo e abre caminho para restrições arbitrárias a conteúdos online.

Foto: Marcelo Camargo/ABr
Foto: Marcelo Camargo/ABr

Em editorial desta semana, a Folha de S.Paulo critica a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou, por maioria de 8 votos a 3, a parcial inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, legislação aprovada em 2014 que regulava a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil. O dispositivo determinava que empresas como redes sociais e aplicativos de mensagens só poderiam ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros em caso de descumprimento de ordem judicial específica.

Para o jornal, a decisão representa o segundo erro grave da Corte em menos de um mês. “O STF arbitrou de modo casuístico um novo regramento sobre o tema, atropelando a competência dos legisladores eleitos”, afirma o editorial, destacando a gravidade de o Judiciário impor um modelo regulatório sem o devido debate parlamentar.

A crítica central da Folha recai sobre a substituição de um critério objetivo — a exigência de ordem judicial — por exigências que impõem às plataformas o dever de remover conteúdos automaticamente, sem decisão prévia da Justiça. Entre os exemplos de conteúdos que deverão ser retirados de forma imediata, a decisão inclui casos como terrorismo, pornografia infantil, tráfico de pessoas, racismo, incitação ao suicídio, violência contra mulheres e “ataques à democracia”.

O jornal reconhece que parte dessas condutas possui tipificação clara, como é o caso da pornografia infantil, mas alerta para a inclusão de conceitos abertos e passíveis de interpretação ampla, como “atentado à democracia”. “Isso pode fomentar a censura disfarçada de regulação, atingindo críticas e embates políticos legítimos”, diz a publicação.

Votaram contra a mudança os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques. Para a Folha, os maiores riscos estão justamente na forma genérica como foi introduzida a categoria “ataques à democracia”, o que pode abrir margem para controle arbitrário do discurso público nas plataformas digitais.

Outro ponto criticado é o conceito de “falha sistêmica”, adotado pela maioria da Corte como condição para a responsabilização das plataformas. Segundo o STF, as empresas só responderão judicialmente se houver omissão na adoção de medidas adequadas para evitar ou remover conteúdos ilícitos. Para o editorial, o termo é vago e pode gerar insegurança jurídica: “A ausência de definição clara sobre o que configura essa ‘falha’ compromete a previsibilidade do sistema”, aponta o jornal.

A Folha de S.Paulo emenda que, ao eliminar a salvaguarda da ordem judicial prévia, o STF compromete um dos fundamentos da liberdade de expressão online no país e cria um ambiente regulatório marcado por incertezas e riscos de abuso em larga escala.