O governo federal publicou em seus canais oficiais nas redes sociais uma peça visual em defesa do programa Bolsa Família e com críticas a renúncias fiscais concedidas a grandes empresas. Uma das situações citadas como exemplo da suposta “preguiça” fiscal — o acordo tributário envolvendo a varejista Americanas — é, na verdade, uma medida aprovada e operacionalizada pela própria administração federal, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A peça replicada no perfil oficial do Governo no Instagram é de autoria do economista Presley Vasconcellos e afirma: “Vamos falar da verdadeira preguiça?”, seguida da crítica: “Só entre 2024 e 2025, foram R$ 400 bilhões em renúncias e isenções. Dá R$ 4 milhões por empresa. E sabe o que exigem em troca? Nada”.
Entre as referências apresentadas na imagem está uma reportagem com o título “Americanas tem desconto de R$ 500 milhões para quitar dívida com União”, assinada pelo jornalista Fábio Matos. O conteúdo relata que a varejista, em processo de recuperação judicial, firmou acordo com a PGFN para quitar uma dívida de aproximadamente R$ 865 milhões. O acordo prevê desconto superior a R$ 500 milhões, com base na legislação vigente, incluindo abatimento integral de juros e multas, limitado a 70% do valor do débito.
A transação tributária é um instrumento legal previsto para empresas em dificuldades, especialmente aquelas em recuperação judicial, e visa permitir a quitação de passivos fiscais por meio de negociação com a administração pública. Trata-se de uma medida formalmente prevista na Lei nº 13.988/2020, amplamente utilizada por diversos setores econômicos. No caso da Americanas, o acordo envolveu ainda o uso de depósitos judiciais vinculados, créditos de prejuízo fiscal e recursos próprios.
A comunicação do governo, ao criticar publicamente esse tipo de renúncia sem contextualização, gerou clara contradição. Como dito acima, o mecanismo de transação foi articulado por órgãos subordinados ao próprio Poder Executivo, como a PGFN, vinculada à Advocacia-Geral da União (AGU).
Em nota ao mercado, a Americanas informou que “todos os efeitos do acordo estarão devidamente refletidos nas demonstrações financeiras do segundo trimestre deste ano” e sustentou que a medida “traz benefícios econômicos adicionais para a companhia, uma vez que a manutenção das discussões implicaria em esforço financeiro para oferecimento e manutenção de garantias judiciais, honorários advocatícios e outros custos e despesas processuais”.
A varejista tornou-se alvo de repercussão nacional após revelar, em janeiro de 2023, inconsistências contábeis estimadas inicialmente em R$ 20 bilhões, número posteriormente revisado para R$ 25 bilhões. Em abril de 2025, o Ministério Público Federal denunciou 13 ex-executivos e ex-funcionários da companhia pelos crimes de associação criminosa, falsidade ideológica, manipulação de mercado e uso de informação privilegiada.