EXCLUSIVO | BRASIL NA MIRA

Trump vai além do ‘tarifaço’ e põe Pix, corrupção, etanol, pirataria, desmatamento e 25 de Março sob investigação nos EUA

Ofensiva foi ordenada pelo presidente norte-americano Donald Trump e apura condutas brasileiras em amplas frentes, que vão de comércio digital a organizações criminosas.

Foto: Shealah Craighead/Official White House
Foto: Shealah Craighead/Official White House

Por determinação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o governo americano formalizou na terça-feira (15) a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. O processo buscará identificar se atos, políticas ou práticas do governo brasileiro são “injustas ou discriminatórias” e se causam prejuízos ao comércio norte-americano.

A medida representa uma nova escalada na guerra comercial entre os dois países, em meio a uma série de tensões diplomáticas envolvendo temas como liberdade de expressão, julgamentos políticos no Brasil e sanções unilaterais adotadas por Washington. A apuração abrangerá cerca de dez frentes específicas: comércio digital e plataformas, serviços de pagamento eletrônico, tarifas alfandegárias, combate à corrupção, propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal.

Organizações criminosas

O Conexão Política apurou, junto a núcleos do governo americano, que questões relacionadas a organizações criminosas devem ser incluídas na investigação. Ainda não está claro se o tema será abordado de forma autônoma ou incorporado ao eixo que trata de corrupção e fragilidades institucionais.

China no radar

O Conexão Política também constatou que, ao aprofundar a análise sobre as zonas comerciais da região da 25 de Março, o governo americano deve incluir a atuação da China no escopo da investigação. Segundo fontes consultadas, os relatórios apontam que grande parte da atividade econômica mapeada no local é controlada por comerciantes chineses ou vinculada a interesses comerciais da China, sobretudo em setores associados à falsificação e à distribuição de produtos piratas.

Pressões sobre o comércio digital

Um dos principais pontos da investigação diz respeito às políticas brasileiras voltadas ao ambiente digital. O documento divulgado pelo Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR) critica as decisões judiciais e administrativas tomadas no Brasil que envolvem empresas americanas do setor de tecnologia, principalmente redes sociais. A acusação é de que o governo brasileiro estaria promovendo um ambiente hostil ao setor, criando barreiras ao comércio digital ao pressionar plataformas a removerem conteúdo considerado político.

Dados do USTR apontam que essas práticas afetam inclusive usuários americanos e impactam negativamente os negócios de companhias dos EUA. “A investigação da Seção 301 responsabilizará o Brasil por suas práticas comerciais desleais e garantirá que as empresas americanas sejam tratadas de forma justa”, diz o texto.

Pix na mira

Outra frente apontada como prática “distorciva” envolve o Pix. A ferramenta de pagamento instantâneo desenvolvida pelo Banco Central do Brasil é mencionada como exemplo de favorecimento estatal que comprometeria a competitividade de empresas privadas no setor, como Visa e Mastercard — ambas com sede nos Estados Unidos. O relatório acusa o governo brasileiro de privilegiar seu sistema oficial, reduzindo espaço de atuação para concorrentes internacionais.

O texto lista que o Brasil “parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo a promoção de serviços desenvolvidos pelo próprio governo”.

Propriedade intelectual e pirataria

O documento também dedica atenção especial à pirataria e à proteção da propriedade intelectual. Um dos principais alvos é a Rua 25 de Março, tradicional centro de comércio popular em São Paulo. A área é citada como símbolo da “distribuição, venda e uso generalizados de produtos falsificados”, incluindo eletrônicos modificados, dispositivos de streaming irregulares e itens pirateados.

Segundo o USTR, a permanência desse comércio, mesmo após diversas operações de fiscalização, é reflexo da ineficácia das políticas brasileiras de combate à pirataria. O texto argumenta que isso prejudica trabalhadores americanos vinculados a setores da economia baseados em inovação, criatividade e direitos autorais. A morosidade na concessão de patentes, especialmente no setor farmacêutico, também foi apontada como barreira à inovação internacional.

Corrupção e ambiente jurídico

Ainda que sem mencionar explicitamente, o relatório também faz alusão à Operação Lava Jato e ao cancelamento de condenações judiciais por corrupção. O USTR critica o que chama de fragilidade do sistema regulatório e jurídico brasileiro, sugerindo que a insegurança institucional fere compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na área de combate à corrupção.

O argumento é que a falta de previsibilidade nas decisões judiciais afugenta investimentos e cria um ambiente desfavorável para negócios estrangeiros, inclusive aqueles com origem nos Estados Unidos.

Desmatamento ilegal

A atuação ambiental do Brasil também foi incluída entre os pontos investigados. O relatório afirma que até 91% do desmatamento registrado no país em 2024 teria origem ilegal. O USTR alega que “corrupção e fraudes” nos processos de legalização da madeira e de produtos agrícolas oriundos de áreas protegidas produzem distorções comerciais.

O governo americano sustenta que essas práticas conferem vantagens competitivas aos produtores brasileiros, em detrimento de produtores americanos que, segundo o documento, atuam sob regulações ambientais mais rígidas. Para Washington, o descumprimento de compromissos ambientais por parte do Brasil pode configurar barreira comercial.

Tarifas discriminatórias

Outro ponto levantado pela investigação está relacionado à estrutura tarifária brasileira. O relatório acusa o país de aplicar tarifas discriminatórias contra certos parceiros comerciais, favorecendo nações como México e Índia com taxas preferenciais. Já os produtos dos Estados Unidos estariam submetidos à tarifa de “nação mais favorecida”, que pode atingir até 35% em alguns setores.

Conforme o USTR, essa política distorce o mercado e dificulta o acesso de bens americanos ao mercado brasileiro, gerando desequilíbrio nas relações comerciais bilaterais.

Etanol e protecionismo

Por fim, o documento norte-americano volta sua ofensiva à política brasileira para o etanol. Washington acusa o Brasil de adotar tarifas protecionistas para beneficiar produtores nacionais, o que teria resultado em uma queda drástica nas exportações americanas do combustível.

Antes praticamente isento de impostos, o etanol importado dos Estados Unidos passou a ser taxado em até 18%. Como consequência, as exportações americanas caíram de US$ 761 milhões em 2018 para US$ 53 milhões em 2024, segundo o relatório.

Muito além do tarifaço

A abertura da investigação ocorre dias após Trump enviar uma carta pública ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual anunciou também a imposição de tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Na ocasião, o presidente americano citou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e decisões da Justiça brasileira que envolvem empresas de mídia americana como fatores de preocupação.

Ainda nesta terça, 15, Trump voltou a defender Bolsonaro pela sexta vez consecutiva. Desta vez, repetiu que o processo contra o ex-presidente brasileiro no Supremo Tribunal Federal (STF) é uma questão de viés político, tratando-se de uma ‘caça às bruxas’.

“Bolsonaro é um bom homem. Conheci muitos primeiros-ministros, presidentes, reis e rainhas, e eu o conheço. E sou muito bom nisso. O presidente Bolsonaro não é um homem desonesto. Ele ama o povo do Brasil. Ele lutou muito pelo povo do Brasil”, externou Trump a jornalistas na Casa Branca.

“Ele negociou acordos comerciais comigo em nome do povo do Brasil. E ele foi muito duro, porque ele queria um bom acordo para seu país. Ele não é um homem desonesto. Acredito que é uma caça às bruxas e não deveria estar acontecendo”, prosseguiu o mandatário americano.

“Não é como se eu conhecesse, esse cara. Olha, ele não é meu amigo. Ele é alguém que conheço, e eu o conheço como representante de milhões de pessoas, de brasileiros. São ótimas pessoas, e ele ama o país. Ele lutou muito por essas pessoas e querem colocá-lo na prisão”, rebateu Trump.

“Ninguém está feliz com o que o Brasil está fazendo, porque Bolsonaro era um presidente respeitado”, emendou.