INCOERÊNCIA MÁXIMA

Lula acusa Trump de interferência, mas já interveio em casos internacionais e recorreu a organismos externos

Presidente brasileiro defendeu Kirchner na Argentina, deu asilo a ex-primeira-dama do Peru, buscou apoio da China para regulação digital e apelou à ONU quando foi preso.

Foto: Joédson Alves/ABr
Foto: Joédson Alves/ABr

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reagiu às declarações de Donald Trump em defesa de Jair Bolsonaro (PL) e disse não aceitar “interferência” em assuntos internos do Brasil. A fala se dá após o mandatário dos Estados Unidos afirmar que Bolsonaro é vítima de perseguição política no país e alertar que está “acompanhando de perto” o que chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente brasileiro.

Apesar do discurso de resistência à influência externa, Lula tem um histórico longo de atuação direta em assuntos políticos de outros países e, também, de apelos a instâncias internacionais durante sua prisão em 2018.

Pró-Kirchner

Em dezembro de 2022, já eleito presidente, Lula viajou à Argentina e fez um gesto político ao visitar Cristina Kirchner no Senado argentino, dias após a ex-presidente ter sido condenada por corrupção. Em sua fala, classificou a aliada como vítima de “perseguição” e prestou solidariedade em nome da “democracia latino-americana”. Mais recentemente, em junho deste ano, Lula voltou a se reunir com Kirchner, desta vez em sua residência oficial, onde ela cumpre prisão domiciliar. Durante a visita, o presidente brasileiro defendeu publicamente a libertação da ex-mandatária e voltou a dizer que ela é alvo de uma ofensiva judicial com motivações políticas.

Ex-primeira-dama do Peru

Outro caso envolve a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, condenada por corrupção em seu país. Em uma ação coordenada pelo Palácio do Planalto, o governo brasileiro enviou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) a Lima para resgatá-la antes mesmo que a polícia peruana pudesse cumprir a ordem de prisão. A operação resultou na concessão de asilo político a Heredia no Brasil, em decisão do governo Lula. O caso está atualmente sob sigilo por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, então titular da Justiça, que negou acesso aos documentos oficiais e manteve em segredo os termos da entrada da peruana em território nacional e os fundamentos do asilo concedido.

Alinhamento com a China

No campo digital, o governo brasileiro também tem buscado respaldo externo. Em abril de 2023, Lula defendeu publicamente, ao lado do presidente chinês Xi Jinping, a criação de uma governança internacional para o controle de redes sociais. A proposta, segundo ele, busca combater a “desinformação”, mas foi vista por opositores como um esforço coordenado para impor censura global com chancela de regimes autoritários.

Ida à ONU

Em 2018, quando foi preso após condenação em segunda instância na Lava Jato, Lula recorreu a diversos organismos internacionais. A defesa do então ex-presidente levou o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, que emitiu recomendação ao Brasil sobre a preservação de seus direitos políticos, ainda que sem efeito jurídico obrigatório.

Regime chavista e outras ditaduras

Além desses casos, Lula também atuou em apoio ao regime chavista na Venezuela, tendo promovido encontros com Nicolás Maduro e feito reiteradas defesas públicas do governo venezuelano, apesar das denúncias internacionais de violações de direitos humanos. Em Cuba, o presidente brasileiro já demonstrou respaldo político ao regime da família Castro e, em 2023, defendeu o fim do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, sem mencionar a repressão interna a opositores.

Lula também protagonizou ações no Oriente Médio, ao se alinhar a governos do Irã e da Autoridade Palestina, além de criticar a política externa de Israel em diferentes ocasiões. Em 2010, promoveu o reconhecimento diplomático do Estado palestino e, em mais de uma oportunidade, se posicionou em temas sensíveis de política externa de outros países, muitas vezes em desacordo com a tradição diplomática brasileira de não intervenção.