Você sabia que 70% dos brasileiros jogam videogames, principalmente em dispositivos móveis?O mercado de games no Brasil se transformou radicalmente desde suas raízes no submundo. Hoje é o principal mercado da América Latina e ocupa o 10º lugar mundial em receita. Neste artigo fornecido pelo nosso parceiro PixelPorto, você conhecerá os eventos mais importantes.
A história nem sempre foi tão positiva. Nos anos 1980, os jogos no Brasil eram em sua maioria cartuchos piratas e sistemas falsificados. A eletrônica enfrentava uma tributação enorme, um desafio que durou décadas. O PlayStation 4 foi vendido por inacreditáveis US$ 1.850 no ano passado. A cultura gamer brasileira prosperou por meio de um resiliente mercado cinza que criou sua própria identidade.
Este texto apresenta a experiência da cultura gamer no Brasil. A história começa no início dos anos 1980, quando cerca de 80.000 consoles Atari, em grande parte contrabandeados, chegaram às casas brasileiras. Passa pela era dos consoles clones e cartuchos piratas até chegar ao mercado atual, que deve atingir US$ 2,61 bilhões em 2023. Esse passado complexo não criou apenas consumidores, mas também uma comunidade vibrante de desenvolvedores que hoje conta com mais de 1.000 estúdios.
QUANDO OS JOGOS ERAM CONTRABANDO: OS PRIMEIROS ANOS NO BRASIL
A década de 1980 escreveu um capítulo fascinante da história gamer brasileira. Jogadores nos Estados Unidos e no Japão tinham lançamentos oficiais da Nintendo e Sega, enquanto os brasileiros viviam em um mundo completamente diferente, moldado por políticas protecionistas e dificuldades financeiras.
Proibição de importação e o nascimento da pirataria
O governo militar brasileiro implantou a “Política de Reserva de Mercado” em 1984. Essa proibição de importação de eletrônicos tinha como objetivo proteger as empresas locais de tecnologia. Consoles e jogos licenciados tornaram-se quase impossíveis de encontrar. A política, combinada com impostos de importação que dobravam os preços, criou as condições perfeitas para o crescimento do mercado negro. Contrabandistas trouxeram sistemas e cartuchos do Paraguai e de países vizinhos. Essas “importações paralelas” tornaram-se a única forma de a maioria dos brasileiros jogar videogame.
Consoles clones e fabricação local
Empresas brasileiras começaram a fabricar suas próprias versões de consoles populares. A Gradiente lançou o famoso Phantom System, uma cópia do Nintendo Entertainment System. A Tec Toy também se destacou, obtendo direitos oficiais da Sega e produzindo versões brasileiras do Master System e do Mega Drive. A empresa criou versões em português de jogos da Sega e até desenvolveu títulos com personagens nacionais, como a Turma da Mônica.
Como as crianças conheceram os jogos pelos piratas
As crianças brasileiras da época jogavam em cartuchos piratas comprados em feiras ou pequenas lojas. Essas cópias tinham características peculiares: múltiplos jogos em um cartucho (os famosos “100 em 1”), traduções erradas ou títulos trocados, gráficos alterados e cheios de falhas, capas desenhadas à mão que não lembravam em nada os originais. Revistas de games se tornaram fontes vitais de informação e criaram uma linguagem compartilhada entre os jovens, mesmo sem internet ou marketing oficial.
A EXPERIÊNCIA DAS LOCADORAS: ARCADES POPULARES BRASILEIROS
Enquanto os cartuchos piratas moldavam o jogo em casa, a cultura gamer brasileira florescia nas locadoras, lojas de bairro de aluguel de consoles e jogos que se tornaram uma alternativa única aos arcades. Esses espaços comunitários se tornaram centros sociais essenciais nos anos 1990 e 2000.
Como funcionavam as locadoras
Os donos compravam consoles e jogos e cobravam por hora de jogo. Em vez de fliperamas com máquinas, os espaços tinham TVs e sofás, criando um clima de sala de estar. Muitos donos viajavam ao Paraguai para comprar equipamentos mais baratos, trazendo tanto jogos legítimos quanto piratas.
O jogo como evento social
As locadoras eram muito mais que pontos de aluguel: tornaram-se centros comunitários vibrantes. Crianças e adolescentes se reuniam depois da escola, juntavam dinheiro para jogar mais tempo, revezavam no controle, torciam e criavam amizades. Até quem não podia pagar assistia, dava dicas ou zombava dos jogadores, criando uma cultura de espectadores semelhante a um evento esportivo.
Histórias da era PlayStation
O auge veio com o PlayStation no final dos anos 1990. Torneios de Street Fighter lotavam as lojas, jogadores viravam heróis locais e sessões de Resident Evil transformavam-se em experiências coletivas de terror.
Por que Winning Eleven dominava
O futebol digital de Winning Eleven (Pro Evolution Soccer) refletia a paixão nacional. Os campeonatos eram levados a sério, estratégias complexas surgiam e rivalidades cresciam. O melhor das locadoras era a democratização: não importava a condição econômica, apenas a habilidade trazia respeito.
IDENTIDADE CULTURAL ATRAVÉS DOS JOGOS PIRATAS
Jogos piratas foram além de alternativas baratas. Tornaram-se ferramentas de expressão cultural. Jogadores brasileiros não apenas jogavam cópias, mas apropriavam-se delas.
O documentário Paralelos mostra como gamers extrapolavam os limites legais. Lojas ofereciam pacotes de desbloqueio: um console hackeado com 10 jogos por cerca de US$ 100, mais jogos adicionais por US$ 15.
As barreiras linguísticas eram enormes, já que o Brasil ocupava a 38ª posição em proficiência em inglês entre 63 países. Traduções feitas por fãs surgiram antes das oficiais, tornando os jogos acessíveis a todos. Hoje, os desenvolvedores reconhecem essa necessidade: jogos com versões em português brasileiro vendem muito mais.
GTA: San Andreas conquistou os brasileiros. Jogadores viam no jogo reflexos de seus bairros, racismo estrutural, violência de gangues e brutalidade policial. A comunidade de mods foi além, adicionando carros brasileiros, camisas de futebol e cidades recriadas. O mapa cs_rio de Counter-Strike parecia tão real que gerou tentativas de proibição nacional.
O LEGADO DO MERCADO CINZA NA INDÚSTRIA ATUAL
A indústria de jogos no Brasil mostra hoje as marcas dessas origens incomuns. O mercado cinza moldou hábitos, formas de jogar e até de desenvolver games.
A pirataria criou gerações que esperam jogos grátis ou baratos. Atualmente, 75,5% dos jogadores brasileiros preferem free-to-play, número muito acima da média mundial. A mudança veio com o Steam em 2014, ao introduzir preços em reais, e com o sucesso do Xbox Game Pass, que popularizou o acesso acessível a centenas de títulos.
Mas ainda há desafios: os impostos são altíssimos, um PS5 custa o dobro do preço nos EUA, e a internet ainda é limitada, com apenas 67% da população conectada.
O SURGIMENTO DOS JOGOS BRASILEIROS E DOS INDIES
Esses obstáculos forçaram desenvolvedores a serem criativos. O cenário nacional cresceu rapidamente e já soma mais de 1.000 estúdios. Jogos como Horizon Chase Turbo e Dandara ganharam reconhecimento mundial, mostrando como a história peculiar do Brasil impulsionou inovação.
CONCLUSÃO
A experiência gamer no Brasil mostra como cultura e resiliência moldam uma indústria. Jogadores criaram um ecossistema próprio apesar de impostos altos e regras rígidas. O contrabando e a pirataria deram origem a uma identidade única que ainda influencia a indústria atual.
As locadoras transformaram o jogo individual em experiência comunitária. Jogadores reinventaram títulos internacionais com elementos locais, superando barreiras linguísticas antes das traduções oficiais. Muitos desenvolvedores aprenderam modificando jogos piratas e hoje compõem a indústria formal.
O Brasil vive um momento decisivo. Vendas digitais, preços locais e serviços de assinatura ampliaram o acesso legal. Apesar dos problemas de impostos e infraestrutura, o futuro é promissor. O país passou de um mercado de cópias para líder latino-americano com impacto global. Desenvolvedores brasileiros agora criam jogos que ressoam no mundo inteiro sem perder a visão cultural única que nasceu dessa trajetória singular.