A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) protocolou dois projetos de lei com foco na reformulação da Lei Maria da Penha. As propostas têm como objetivo punir denúncias falsas de violência doméstica e estender as medidas protetivas atualmente voltadas a mulheres também para homens que se enquadrem como vítimas nesse contexto.
Um dos projetos acrescenta dois dispositivos à Lei nº 11.340, de 2006. O primeiro estabelece que, caso seja comprovada a falsidade dolosa de uma denúncia que tenha resultado na aplicação de medidas protetivas de urgência, o juízo deverá comunicar o fato ao Ministério Público. O ponto é permitir a apuração de eventuais crimes de denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime.
O segundo dispositivo prevê a responsabilização civil da parte denunciante quando houver comprovação de que a acusação foi evidentemente infundada e realizada com o objetivo de obter vantagem, prejudicar a parte acusada ou influenciar decisões em litígios familiares, sobretudo com repercussões patrimoniais ou relativas à guarda de filhos. Nesses casos, a denunciante poderá responder por danos morais e materiais.
Na justificativa, Zanatta cita o caso da atriz Amber Heard, condenada por difamação após acusações de violência doméstica contra o ex-marido, o ator Johnny Depp. Segundo a deputada, o caso “demonstra a gravidade dos efeitos resultantes de falsas imputações de violência: danos à reputação, danos morais, repercussão midiática e consequências pessoais irreversíveis, mesmo após decisões judiciais favoráveis ao acusado”.
A parlamentar sustenta que a proposta não busca enfraquecer os instrumentos de proteção às mulheres, mas sim evitar a banalização de denúncias infundadas e preservar a credibilidade do sistema jurídico. “A responsabilização genérica nem sempre reflete a complexidade da causa, a assimetria entre partes e o risco de banalização das denúncias”, aponta. Para ela, o texto “fortalece o sistema ao prevenir abusos e preservar sua credibilidade institucional”.
Em outra frente, Júlia Zanatta propôs ampliar o alcance da Lei Maria da Penha, permitindo que homens também possam ser contemplados com medidas protetivas de urgência em casos de violência doméstica ou familiar. De acordo com a congressista, a legislação atual não contempla situações em que indivíduos do sexo masculino são vítimas, o que geraria lacunas de proteção.
Na justificativa, ela menciona dados de um estudo conduzido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), segundo o qual homens vítimas de violência doméstica enfrentam barreiras legais significativas. Outro levantamento citado, publicado na revista Research, Society and Development, aponta que homens são frequentemente afetados por violência psicológica e outras formas de agressão no âmbito doméstico.
“A realidade mostra que homens também podem ser vítimas de violência doméstica e familiar, ficando em muitos casos sem amparo legal específico para medidas protetivas de urgência”, argumenta Zanatta. Ela aponta que o projeto não retira os instrumentos já existentes para as mulheres, mas busca “ampliar a efetividade da lei” ao incluir as vítimas masculinas no rol de proteção legal.
Reação feminista
Setores ligados ao movimento feminista têm reagido com preocupação ao projeto apresentado pela deputada Júlia Zanatta, por entenderem que a proposta pode representar um retrocesso nos avanços no enfrentamento à violência doméstica. O texto prevê que, quando for comprovada a falsidade intencional de uma denúncia, o Ministério Público seja acionado para investigar possíveis crimes como denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime.
Entre as críticas, está o receio de que a possibilidade de punição por denúncias falsas acabe inibindo vítimas reais de procurar ajuda. Ainda assim, o argumento levanta questionamentos sobre a ausência de distinção entre denúncias feitas de boa-fé, mas não comprovadas, e acusações deliberadamente falsas, que podem gerar prejuízos irreversíveis a pessoas inocentes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, menos de 10% das vítimas formalizam queixas contra seus agressores, o que indica um alto índice de subnotificação. No entanto, o projeto não criminaliza a ausência de provas, apenas atua nos casos em que fique demonstrado o dolo, ou seja, a intenção de mentir.
Outro ponto de contestação é a exigência de apuração da chamada falsidade dolosa. Para ativistas, isso abriria margem para interpretações subjetivas e para o uso do Judiciário como instrumento de retaliação, ainda mais em disputas familiares marcadas por desequilíbrio de poder. Por outro lado, defensores da proposta apontam que o risco maior seria justamente permitir que a legislação seja usada como arma em conflitos conjugais ou patrimoniais, prejudicando a parte inocente em casos em que a acusação se revela nitidamente fabricada.
Há também críticas à suposta tentativa de igualar juridicamente situações de violência entre homens e mulheres, sem levar em conta as assimetrias históricas e estruturais que motivaram a criação da Lei Maria da Penha. Entidades feministas consideram que mais de 85% dos casos registrados no país envolvem mulheres como vítimas e homens como agressores. O dado, ainda assim, mostra a necessidade de proteger a credibilidade do sistema, já que, diante de percentuais tão expressivos, qualquer distorção ou manobra no uso do mecanismo legal pode comprometer justamente quem mais precisa dele. O projeto, nesse sentido, não busca relativizar o fenômeno da violência doméstica, mas sim evitar sua instrumentalização em disputas pessoais que não estão envolvidas no espírito da lei.