Com um voto de aproximadamente 14 horas, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou na última quarta-feira (10) pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros cinco réus em relação a todos os crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no processo da tentativa de golpe. Fux divergiu de pontos centrais do relator Alexandre de Moraes e do ministro Flávio Dino.
Além de Bolsonaro, foram absolvidos Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Alexandre Ramagem (PL-RJ), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Augusto Heleno (ex-chefe do GSI) e Anderson Torres (ex-ministro da Justiça). Os únicos parcialmente condenados foram o tenente-coronel Mauro Cid e o general Braga Netto, ambos por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, mas absolvidos dos demais quatro crimes.
Crimes analisados separadamente e ausência de provas individualizadas
Ao contrário dos votos anteriores, Fux avaliou cada crime imputado e cada réu separadamente. Ele também analisou os atos isolados apontados pela PGR, diferentemente da abordagem unificada do órgão, que considera os eventos como parte de uma só trama que culminou na depredação dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Fux rejeitou a configuração de organização criminosa armada, destacando que não houve uso de armas e que o planejamento de ações por si só não configura o crime. Também absolveu os réus dos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, apontando ausência de prova da atuação direta dos acusados.
No caso do crime de golpe de Estado, Fux entendeu que ele é absorvido pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, não sendo cabível dupla condenação. Por essa razão, todos os réus foram absolvidos pelo crime de golpe, sendo apenas dois condenados por tentativa de abolição democrática.
Sobre Bolsonaro: ausência de autogolpe e questionamento sobre autoria
O voto referente a Jair Bolsonaro foi o mais extenso. Fux destacou que os crimes imputados pressupõem a tentativa de deposição de um governo — o que, segundo ele, não se aplica ao próprio presidente em exercício, o que tornaria a acusação um suposto autogolpe. O ministro afirmou ainda que não há provas de que Bolsonaro tenha recebido ou conhecido a “minuta do golpe” ou participado de qualquer plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”.
Sobre o uso da Abin e as críticas ao sistema eleitoral, Fux entendeu que não houve tentativa de abolição do regime democrático, mas sim uma suposta busca pela “verdade dos fatos”.
Críticas à politização do Judiciário e à atuação do relator
Na abertura de seu voto, Fux fez declarações sobre os limites do STF, criticou o ativismo judicial e afirmou que juízes devem manter o distanciamento necessário. Sem citar nomes, enviou recado ao relator Alexandre de Moraes ao afirmar que magistrados não têm competência investigativa.
“O juiz criminal deve ter firmeza para condenar quando houver certeza e humildade para absolver quando houver dúvida”, declarou.
Questões preliminares e críticas ao andamento do processo
O ministro acolheu a maioria das preliminares levantadas pelas defesas. Considerou que houve cerceamento de defesa em razão do curto prazo para análise de milhares de documentos, referindo-se a um “tsunami de dados”. Apontou também que ele próprio enfrentou dificuldades para redigir o voto em tempo razoável.
Na questão da delação premiada de Mauro Cid, Fux manteve sua validade, apesar de ter feito críticas em momento anterior do processo. Reconheceu que os múltiplos depoimentos do tenente-coronel visavam esclarecer fatos novos surgidos ao longo das investigações.
Incompetência do STF e efeito Ramagem
O ministro reiterou sua visão de que o Supremo não tem competência para julgar o caso, já que a maioria dos réus não possui foro por prerrogativa de função. Criticou mudanças regimentais que ampliaram o alcance do foro privilegiado, permitindo que pessoas sem mandato ativo, como Bolsonaro, fossem julgadas na Corte.
Fux também mudou sua posição em relação ao deputado federal Alexandre Ramagem e votou pela suspensão total da ação penal contra ele, acolhendo integralmente a decisão da Câmara dos Deputados, que barrou o andamento de parte das acusações.
Voto de cada ministro
A sessão foi retomada na quinta-feira, 11, com o voto da ministra Cármen Lúcia. Ela acompanhou Moraes e Dino, formando maioria pela condenação dos réus nos cinco crimes imputados. O último a votar foi Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, que também decidiu pela condenação.
Jair Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, além de 124 dias-multa, cada um equivalente a dois salários mínimos, pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.