
Uma pesquisa inédita conduzida por cientistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) está avançando na identificação precoce do câncer por meio da análise da cera do ouvido. O projeto, desenvolvido em parceria com o Hospital Amaral Carvalho, em Jaú (SP), revelou que a composição química da cera pode indicar alterações no organismo ainda antes do surgimento de tumores detectáveis pelos exames convencionais.
A coleta é simples, indolor e de baixo custo, o que pode tornar a técnica um futuro aliado em campanhas de rastreamento populacional. A proposta vem sendo estudada há mais de dez anos, e os resultados foram publicados na revista científica internacional Scientific Reports, vinculada ao grupo Nature.
O estudo com a cera auricular já permitiu detectar doenças como diabetes e câncer. A mais recente descoberta superou as expectativas e empolgou ainda mais os cientistas.
De acordo com Camilla Oliveira, médica otorrinolaringologista participante do projeto, a cera auricular funciona como um marcador biológico do estado de saúde geral. “Ela é uma pepita de ouro que traz informações do corpo humano. Está em um lugar relativamente protegido de contaminações externas e é de fácil coleta”, explicou em reportagem veiculada pelo Jornal Nacional.

O método baseia-se na variação dos compostos químicos presentes na cera, que se alteram de acordo com o metabolismo e com a presença de processos patológicos. Nelson Antoniosi Filho, professor da UFG e coordenador da pesquisa, vê a cera como “uma impressão digital da nossa condição de saúde”. Segundo ele, quando o organismo está em equilíbrio, a composição da cera mantém um padrão. Quando há alterações, como inflamações ou processos cancerígenos, esse padrão muda, relatou ao telejornal.
O avanço dos dados aponta que a técnica pode antecipar o diagnóstico de câncer, antes mesmo da formação de tumores detectáveis. “Conseguimos identificar etapas anteriores ao desenvolvimento do câncer. Isso facilita muito o processo de tratamento e pode diminuir o sofrimento dos pacientes”, afirma Antoniosi.
O trabalho analisou amostras de 751 voluntários. Desses, 220 não tinham qualquer diagnóstico anterior. Em cinco deles, os exames identificaram alterações suspeitas. Após a análise laboratorial da cera, foram realizados exames tradicionais, que confirmaram a presença de câncer. Entre os 531 voluntários já em tratamento oncológico, todos tiveram o câncer identificado também pela análise da cera.
Um dos casos que chamou atenção foi o do aposentado José Luiz Spigolon, curado de um câncer de próstata em 2012. Ele se voluntariou para o teste em 2019. A análise apontou presença de substâncias atípicas. Exames complementares identificaram um novo câncer, desta vez na região pélvica. “Pra minha surpresa, o meu deu positivo. Aí foi um impacto”, relatou José Luiz. Após sessões de radioterapia, a análise da cera voltou a mostrar ausência de sinais da doença. Atualmente, exames convencionais confirmam a remissão total do câncer.

A médica oncologista Patrícia Milhomen, do Hospital Amaral Carvalho, que também participa da pesquisa, avaliou o potencial social do método. “Se tudo correr como imaginamos, com as aprovações necessárias, será um teste de fácil coleta, com baixo custo e com impacto social importantíssimo”, comemorou.
Mesmo diante dos avanços, o método ainda precisa passar por etapas de regulamentação, validação clínica e protocolos de padronização para que possa ser adotado como exame de rotina. Os pesquisadores acreditam que, uma vez implementado, o exame deve revolucionar o diagnóstico oncológico no Brasil, sobretudo em regiões com acesso limitado a exames mais caros e invasivos.