No texto anterior, demonstramos que a tragédia educacional brasileira é tão evidente e pujante, fazendo com que qualquer tragédia de Sófocles – um dos maiores dramaturgos gregos e vencedor de inúmeros concursos com suas tragédias – pareça um enredo de um filme dos Trapalhões. Tal diagnóstico exige de nós capacidade propor respostas reais e eficazes para recuperar a educação em nossa nação. Didaticamente, separamos três ímpetos reformistas que propõem soluções distintas, mas não excludentes entre si: A reforma estrutural, a reforma curricular e a reforma moral. Vimos que existe um anseio de transformações na administração e na infraestrutura do ensino, contudo esta reforma sozinha não será suficiente para nos resgatar de tão profundo abismo.
Propondo outro tipo de transformação, temos os reformadores do currículo, aqueles que, alarmados pelos baixos índices acadêmicos constatados, defendem um currículo comum unificado para aumentar o nível educacional. Os defensores dessa vertente reformista criticam veementemente o modelo educacional e a baixa qualidade acadêmica das aulas ministradas. Nesta proposta, quatro abordagens são consideradas para uma efetiva reforma curricular. Em primeiro lugar, defende-se um programa nacional de erradicação do analfabetismo. Isso é louvável! Inclusive, surgem programas fantásticos de recuperação e expansão da literacia familiar, bem como da divulgação do método fônico para um processo de alfabetização efetiva, neurocientificamente mais eficaz que o modelo global construtivista. O Dr. Rudolf Flesch, especialista em leiturabilidade e consultor de escrita, faz uma defesa primorosa da alfabetização fônica em seu livro “Why Johnny can’t read?”, criticando o abandono do método a partir do século XX nos Estados Unidos da América. Contudo, sabemos que o esforço para uma alfabetização real não é suficiente para eficácia educacional do ser humano, precisa-se alfabetizar funcional e culturalmente como dito antes. Nos Estados Unidos, em 1850, apenas 22% da população era analfabeta, e essa estatística incluía escravos. Veja, portanto, que dotar pessoas da capacidade de ler e escrever não é suficiente para mudar estrutural e conjunturalmente uma sociedade. Eram letrados, porém escravagistas. Do que adianta querer alfabetizar alguém em 40 dias e acreditar que formaremos seres pensantes? Ou se forma durante toda a vida, ou formaremos massas de manobra como projetava o educador dos oprimidos.
Uma segunda crítica dos reformistas do currículo está relacionada ao seu aspecto de transcendentalidade: “Por que e para que aprendemos o que aprendemos?” Os nossos currículos estão preocupados com coisas de caráter penúltimo, que não alcançam a consciência existencial do estudante, antes o faz pensar que aprende conteúdos somente para passar no vestibular. A educação utilitária e imanente não cativa o aluno. Sem relevância para a realidade e sua própria existência, o estudante jamais quererá saber ou se dedicar a conhecer aquilo que se ensina em nossas salas de aula e nos livros didáticos. Nesse sentido, os professores da Universidade de Oxford, o artista e poeta Roger Wagner e o cientista e professor de nanomateriais Andrew Brigs, escreveram um livro chamado The Penultimate Curiosity: How science swims in the slipstream of ultimate questions, defendendo a necessidade da transcendentalidade na educação e no saber científico.
Uma terceira abordagem traça uma crítica filosófico-doutrinária à presença do igualitarismo – doutrina que visa a estabelecer igualdade absoluta nas esferas política, social, econômica e cívica – em nossa educação. Eliminando o individualismo e personalização da educação, educadores e pedagogos transformaram os currículos em manuais de competências e habilidades que nivelam o aluno por baixo e visam igualar todos. Este ímpeto, mesmo que aparentemente louvável, tem consequências nefastas e ignora as vicissitudes regionais e pessoais de cada pessoa envolvida no processo de ensino-aprendizagem. Em nome do igualitarismo, elimina-se a liberdade e possibilidade de maximizar as potencialidades educacionais de cada educando. O historiador e professor da Universidade de Massachusetts Richard H. Powers defende que a construção de um currículo não pode estar dissociada do que se constitua ser uma educação verdadeira. Em seu livro The Dilemma of Education in a Democracy, o historiador defende que houve uma mudança no foco dos currículos, abandonando tópicos indispensáveis para os discentes. Powers chama a esse esforço de abandono de tais aspectos curriculares de uma cruzada contra o intelectualismo, argumentando, assim, a favor de uma reforma curricular.
Por último, os defensores da reforma curricular utilizam os próprios testes de avaliação (ENEM, Prova Brasil, ENCCEJA, PISA, SAT, ACT) para provarem quão desastrosa é a educação e seu currículo. Nossos estudantes não lembram de quase nada daquilo que “aprendem” na escola. Não obstante, muitos dos que tecem tal crítica são aqueles que defendem que memorizar e decorar são blasfêmias pedagógicas. Ao criar a corruptela “decoreba”, os educadores modernos tiraram do processo educacional uma das competências mais caras ao aprendizado. Memorizar é o ato de fazer com que uma informação ocupe permanentemente seu cérebro, articulando essas informações com as demais armazenadas. Decorar, por sua vez, buscando sua raiz etimológica no latim, é o ato de internalizar, de pôr no coração aquilo que seja seu objeto de estudo. Em outras palavras, só iremos aprender aquilo que aprendemos amar. É interessante reparar que o processo de memorização e armazenamento de informações de nossos dias é muito precário, principalmente quando comparamos com outros períodos da história humana (c.f. A arte da memória, por Frances Yates). Um estudo realizado pelo doutor Will Thalheimer, PhD. (How Much Do People Forget?, na revista Working-Learning Research, de novembro de 2011) mostra-nos como o esquecimento, ou a ausência da memorização, tem afetado nossa população. Veja que esta crítica só se sustenta à medida que ressignifica o papel da memória na educação.
Urge uma transformação em nossos currículos e nossos planos de aula, todavia as críticas de tais reformistas não serão bem-sucedidas se não houver uma transformação nos meios e nos métodos das nossas aulas. Transformações essas que começam, antes, com uma reforma moral, da qual trataremos em no próximo artigo desta série.