São Paulo (SP), 23/07/2025 - Motociclista entregador de comida pedida por aplicativo Ifood em Bela Vista. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
São Paulo (SP), 23/07/2025 - Motociclista entregador de comida pedida por aplicativo Ifood em Bela Vista. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Bilionários precisam existir, sim. O Brasil é um país onde a lógica se inverte o tempo inteiro. Enquanto governos acumulam ministérios, discursos e impostos, quem gera oportunidade concreta para os jovens da periferia é um aplicativo de entrega. É a Uber, o iFood, que hoje tiram o cidadão da margem e o coloca na roda econômica. Não é a política pública de Brasília.

Isso não é um elogio irrestrito à iniciativa privada. É um retrato do abandono institucional. Os dados falam: mais de um milhão de brasileiros trabalham com entregas. A maioria é composta por jovens, negros e moradores de regiões vulneráveis, e vê na atividade uma porta de saída da criminalidade ou do desemprego crônico. Quando o Estado some, o mercado preenche.

O mesmo vale para a educação. O YouTube se tornou o maior centro de ensino informal do país. Gratuito, acessível e imediato. Enquanto isso, escolas públicas seguem sucateadas, programas federais são interrompidos a cada troca de governo e o Ministério da Educação opera como palanque político. A população responde com os cliques, não só com os votos.

O Brasil de hoje abre um efeito colateral incômodo para o poder, ciente de que a confiança popular nos bilionários cresce, enquanto a dos políticos se dissolve. Não porque a população idolatra quem acumula fortuna, mas porque passou a ver uma capacidade de resolver —ao menos em parte— problemas concretos. Enquanto Brasília discute narrativas, empresários entregam soluções.

Os que deveriam servir se tornaram intocáveis; os que deveriam ser fiscalizados, tornaram-se modelos de eficiência. O Estado brasileiro, inchado e ineficaz, perdeu o fio da sua missão: promover dignidade, não discurso; garantir acesso, não apenas arrecadação.

Não se trata de dizer que o mercado deve governar. Mas sim de reconhecer que, quando o poder público vira as costas, a sociedade encontra seus próprios atalhos. E muitos desses atalhos passam pela lógica privada, pela tecnologia, pela autonomia individual. Tudo isso longe do cabresto estatal.

Se há algo que este momento expõe, é que o brasileiro comum não está em busca de Brasília. Está atrás de quem funcione. De quem entregue. De quem faça.