
A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (10), o chamado PL da Dosimetria, proposta que altera o cálculo das penas aplicadas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro em Brasília e que também pode produzir reflexos diretos na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), hoje sentenciado a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O texto aprovado mexe em vários pontos da legislação penal e de execução penal. Um dos eixos centrais é a forma de aplicação das penas quando há condenação simultânea pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Pela nova redação, se os dois delitos forem praticados no mesmo contexto, o juiz deverá aplicar apenas a pena mais grave, em vez de somar as duas condenações, o que tende a reduzir o tempo total de prisão.
Outra mudança importante está nas regras de progressão de regime. Hoje, a legislação prevê que réus primários podem pedir progressão após o cumprimento de 16% da pena em regime fechado, mas essa regra não vale para crimes cometidos com violência ou grave ameaça, categoria na qual se enquadram os delitos julgados no contexto de tentativa de golpe. O projeto altera a Lei de Execução Penal para permitir que o percentual de 16% seja aplicado também nesses casos, com ou sem violência. Para os reincidentes, o patamar será de 20% da pena. Sem o PL, os primários precisam cumprir 25% e os reincidentes 30% para progredir, o que torna o novo modelo mais brando.
O texto relatado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) também amplia a possibilidade de remição de pena. A legislação atual permite que estudo e trabalho reduzam o tempo de cumprimento apenas no regime fechado. Com a alteração aprovada, essa redução poderá ocorrer igualmente quando o condenado estiver em prisão domiciliar, abrindo a porta para uma flexibilização maior da execução, inclusive fora do sistema prisional tradicional.
Outro ponto sensível do projeto trata dos crimes praticados em contexto de multidão. No caso específico dos delitos de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito cometidos em ambientes coletivos, como as invasões às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, a pena poderá ser diminuída se o participante não tiver chefiado, financiado ou organizado as ações. Nessa hipótese, depois de fixada a pena-base, o juiz poderá reduzi-la entre um terço e dois terços, levando em conta o grau de envolvimento individual.
A aprovação do PL da Dosimetria é encarada pela oposição como um avanço, mas está longe do objetivo inicial do bloco ligado a Bolsonaro, que defendia uma anistia ampla, geral e irrestrita aos envolvidos. Desde o início dos julgamentos no STF, parlamentares bolsonaristas têm pressionado pela extinção completa da punibilidade dos condenados pelos atos de 8 de janeiro. A anistia, prevista no Código Penal como forma de apagar o crime, foi alvo de um projeto específico, que pretendia perdoar manifestantes, caminhoneiros, empresários e demais participantes de atos realizados entre 30 de outubro de 2022 e a data de entrada em vigor da lei, em rodovias, frentes de quartéis e outros locais.
Esse projeto, porém, não avançou. Segundo o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), o próprio Bolsonaro deu aval para que a bancada priorizasse, neste momento, o texto que trata da redução das penas, considerado mais viável politicamente diante da resistência do governo e de parte do Congresso à anistia total.
Com a aprovação na Câmara, o PL da Dosimetria segue para o Senado. Se os senadores mantiverem o conteúdo, o texto será enviado à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No Planalto, auxiliares afirmam que Lula avalia vetar o projeto, total ou parcialmente. Em caso de veto, porém, o Congresso tem poder para derrubar a decisão presidencial e promulgar a lei na forma originalmente aprovada.
Do ponto de vista prático, se o projeto virar lei, tanto os condenados pelos atos de 8 de janeiro quanto integrantes do chamado Núcleo 1, apontado como responsável pela articulação da tentativa de golpe, poderão pleitear revisão das penas com base nos novos parâmetros.
No caso específico de Bolsonaro, o relator Paulinho da Força declarou que, aplicando as regras do PL, a pena de 27 anos poderia cair para algo em torno de 2 anos e 4 meses. Ainda não há consenso, porém, sobre o procedimento: se a redução seria aplicada automaticamente pelos juízes ou se cada condenado precisaria ingressar com pedido próprio, por meio de revisão criminal ou outra via processual adequada.