Política

Novas Regras de Publicidade de Apostas no Quênia: Influenciadores e Mídia Sob Regulação

Nos últimos anos, o mercado de apostas no Brasil passou por uma explosão de popularidade, impulsionado por patrocínios milionários em clubes de futebol, a presença massiva de influenciadores digitais e a crescente facilidade de acesso via aplicativos e plataformas online. Apesar da regulamentação recente aprovada em 2023, que busca organizar o setor e aumentar a arrecadação de impostos, ainda há preocupações sobre vício, endividamento de jovens e a falta de transparência nas campanhas publicitárias.

Enquanto o Brasil avança em ajustes regulatórios, outros países estão adotando medidas mais duras e restritivas, como é o caso do Quênia. A Junta de Controle e Licenciamento de Apostas do Quênia (BCLB) implementou reformas rigorosas voltadas para o papel crescente e influente de celebridades, influenciadores digitais e veículos de mídia na promoção de apostas e jogos de azar no país. A mudança foi oficializada em uma diretiva publicada em 29 de maio de 2025.

As novas regras proíbem figuras públicas de endossar qualquer forma de atividade relacionada a apostas, além de impor exigências rigorosas de conformidade para emissoras e publicações, conforme definido no novo Código de Conduta para Práticas de Mídia de 2025.

Por que essa mudança?

Antes da implementação dessas medidas, o governo queniano impôs uma suspensão de 30 dias para todas as propagandas de apostas, tanto em mídias tradicionais quanto digitais. A pausa ocorreu de 29 de abril a 29 de maio de 2025, visando interromper a tendência crescente e alinhar o interesse público com práticas mais responsáveis no setor.

Com o avanço rápido da internet móvel no Quênia, especialmente o crescimento explosivo das apostas esportivas online, surgiram diversos relatos preocupantes. Entre eles estão jovens estudantes contraindo dívidas, casos de vício entre diferentes faixas etárias e impactos sociais negativos, como desestruturação familiar e evasão escolar. Esse cenário não é tão diferente do nosso, onde se estima que até 2 milhões de brasileiros tenham problemas com o jogo e já começamos a ver impactos sociais, econômicos e criminais significativos.

Mas continuando com o Quênia, atualmente, está se considerando como ideal fazer uma reforma legislativa abrangente na Lei de Apostas, Loterias e Jogos (Cap 131), mas esse processo leva tempo. Por isso, a BCLB usou sua autoridade administrativa com base nos artigos 5 e 11, que lhe conferem poder de licenciar e supervisionar o setor, para suspender e reestruturar as estratégias de publicidade.

Para os profissionais da área, legisladores e o público em geral, essa iniciativa do Quênia é vista como um modelo emergente de como lidar com emergências sociais enquanto se caminha para a criação de leis específicas que regulem o marketing de apostas de forma ética e transparente.

Proibição de Celebridades e Influenciadores em Anúncios de Apostas no Quênia

As novas regulamentações impostas pela Junta de Controle e Licenciamento de Apostas do Quênia (BCLB) abrangem toda a publicidade relacionada a apostas, incluindo promoções de apostas esportivas e casinos online.

A diretriz pretende proibir a participação de celebridades, influenciadores digitais, criadores de conteúdo, músicos, atores, atletas e outras personalidades públicas nas campanhas de marketing vinculadas ao setor de jogos e apostas; uma prática que vinha sendo amplamente utilizada em campanhas nacionais e segmentadas.

Onde a proibição se aplica:

  • Conteúdo digital patrocinado, como postagens no Instagram, lives, vídeos no YouTube, TikTok, transmissões em e-sports, entre outros.
  • Campanhas em rádio, televisão e painéis digitais.
  • Depoimentos e histórias de sucesso, mesmo que não remunerados.

Além disso, todos os anúncios devem agora ser aprovados previamente pela BCLB e classificados pelo Conselho de Classificação de Filmes do Quênia (KFCB) antes de serem veiculados. É proibido mostrar o jogo de forma glamourosa ou associá-lo a fama, sucesso financeiro ou estilo de vida de luxo.

Regras para veículos de mídia

Agora, os meios de comunicação são obrigados a seguir o novo Código de Conduta para Práticas de Mídia – 2025, que estabelece uma série de diretrizes rigorosas:

  • Publicidade impressa limitada: Permitida apenas duas vezes por semana e somente nas seções esportivas. 20% do espaço deve ser reservado para mensagens sobre jogo responsável
  • Limitação de horários: os anúncios não podem ser exibidos em horários com grande audiência de menores de idade.
  • Restrições geográficas: proibidos anúncios de apostas nas proximidades de escolas, igrejas, áreas de lazer infantil, centros comerciais frequentados por menores, entre outros. 
  • Avisos obrigatórios em todos os anúncios, como: “Jogar pode causar dependência – Aposte com responsabilidade”, “Proibido para menores de 18 anos”, Número da licença da BCLB, nome, endereço do operador e contato do SAC.
  • Publicidade externa limitada: Máximo de duas exibições por hora em painéis digitais. Proibido uso de envelopamento de ônibus, postes de rua, murais, ou ações promocionais em via pública.

Veículos de mídia e anunciantes que não submeterem suas campanhas para análise da BCLB e classificação da KFCB estarão sujeitos a multas, suspensão de licença ou até revogação definitiva da autorização de operação.

Quem fiscaliza e aplica as novas regras?

A fiscalização e aplicação das novas normas ficará a cargo de uma força-tarefa composta por diversas agências governamentais. Essa equipe de compliance e auditoria interagências reúne as Autoridade de Comunicações, o Conselho de Mídia do Quênia, o Departamento de Investigação Criminal (DCI), a Receita Federal do Quênia (KRA), o Conselho de Classificação de Filmes do Quênia, o Centro de Relatórios Financeiros e a própria Junta de Controle e Licenciamento de Apostas.

Além disso, o público queniano terá acesso a um canal de denúncias aberto à população, onde será possível reportar propagandas irregulares ou enganosas. As violações poderão resultar em multas pesadas, suspensão de licença e até revogação definitiva para veículos e empresas infratoras.

Reação negativa do mercado

Naturalmente, o setor de apostas reagiu mal às mudanças, mas não foi o único. Influenciadores digitais, que dependiam financeiramente dos contratos com casas de apostas, também se viram diretamente prejudicados.

A comunidade de criadores de conteúdo digital parece dividida sobre o tema. A Associação de Criadores de Conteúdo Digital do Quênia (DCCAK), por exemplo, criticou a falta de diálogo prévio, afirmando que influenciadores poderiam ser aliados importantes na promoção do jogo responsável.

Segundo o presidente da DCCAK, Bob Ndolo, a entidade apoia a regulamentação, mas não o silenciamento. Para ele, com um modelo bem estruturado, os criadores de conteúdo poderiam ajudar a amplificar mensagens de moderação, educação financeira e escolhas conscientes.

Por outro lado, apresentadores de rádio, comediantes e personalidades do entretenimento, muitos dos quais lucravam com contratos de publicidade de apostas, também se mostraram preocupados com a perda de receita e com a falta de clareza sobre quais tipos de conteúdo continuarão monetizáveis.

Apesar da implementação parecer abrupta, o diálogo não foi totalmente descartado. Em 13 de junho de 2025, a BCLB realizou uma reunião com influenciadores em sua sede. O objetivo foi ouvir o setor e discutir formas mais equilibradas de aplicar a proibição. Na ocasião, a presidente da BCLB, Dra. Jane Makau, e o CEO Peter Mbungi sinalizaram que o órgão está aberto a ajustes e abordagens mais flexíveis, incluindo:

  • Filtros de idade e horário para evitar a exposição de menores de idade.
  • Criação de programas de certificação para influenciadores treinados e autorizados, que poderiam atuar sob condições controladas e por tempo determinado.
  • Rotulagem obrigatória em todos os conteúdos dos influenciadores relacionados a apostas.
  • Control sobre a frequência e intensidade das campanhas, evitando bombardeios contínuos.

Uma nova reunião está agendada para que ambas as partes apresentem seus marcos regulatórios preliminares. O BCLB deve propor ajustes inspirados nos modelos já implementados no Reino Unido e na Austrália, enquanto os influenciadores estão consultando especialistas jurídicos, de saúde mental e branding para desenvolver um código de conduta responsável.

Essa abertura ao diálogo representa um avanço importante em um país onde o jogo se tornou uma forma de escapismo comum entre jovens financeiramente vulneráveis. Essa medida poderá indicar um caminho a seguir que evita que os usuários se transformem em estatísticas sombrias.