Em voto extenso de mais de dez horas, o ministro Luiz Fux abriu divergência no julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. Fux rejeitou as acusações por organização criminosa e tentativa de golpe de Estado, contrariando o relator Alexandre de Moraes, e defendeu a nulidade total do processo por suposta incompetência da Corte.
Segundo o togado, nenhum dos réus envolvidos no caso ocupa cargo público atualmente, o que, em sua visão, afasta o foro por prerrogativa de função e, portanto, a competência do STF para julgar o caso. Fux também classificou os atos do 8 de janeiro como resultado de uma “turba desordenada”, negando que tenham configurado uma tentativa coordenada de golpe. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, afirmou durante o voto.
Consequências jurídicas e políticas
Embora o voto de Fux não tenha alterado a tendência de condenação do grupo, cuja maioria dos ministros da Primeira Turma já sinalizou acompanhar o relator, sua manifestação teve impacto político relevante. Em primeiro lugar, abre caminho para que a defesa de Bolsonaro, no futuro, tente reverter a sentença com base em eventual mudança no ponto institucional. Em segundo, fragiliza a posição dominante de Alexandre de Moraes dentro do colegiado e da narrativa institucional do Supremo sobre o caso.
A Corte já mudou de entendimento em processos emblemáticos no passado, como ocorreu durante a Operação Lava Jato. Na prática, a decisão de hoje, ainda minoritária, pode servir de base para futuras revisões, caso o ambiente político mude após eleições ou reposicionamentos internos no STF.
Reações no plenário e nas redes sociais
Durante a leitura do voto, os demais ministros da Primeira Turma — Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin — mantiveram postura reservada. O clima foi interpretado por interlocutores da Corte como um protesto silencioso, já que a divergência frontal com o relator afetou a percepção de unidade do tribunal.
Fora do STF, aliados de Bolsonaro reagiram rapidamente. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e outros apoiadores reproduziram trechos do voto nas redes sociais ainda durante a sessão. O ex-procurador Deltan Dallagnol resgatou uma expressão da época da Lava Jato para comemorar: “In Fux we trust”.
Narrativas do STF
Apesar de a maioria do colegiado ainda não ter concluído os votos, a manifestação de Fux serve como referência argumentativa para ajustes e pente-fino. Mesmo que a condenação se concretize, o placar dividido pode enfraquecer o simbolismo de unidade institucional no combate ao golpismo, reduzindo o peso político da decisão.
Fux já havia indicado desconforto com o caso em etapas anteriores, inclusive com a condução da delação de Mauro Cid. Seu voto reafirma essa postura de dissidência, com ênfase na segurança jurídica, nos princípios do juiz natural e na separação de competências.