
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) decidiu manter, por unanimidade, a condenação do vereador Rafael Tavares (PL), de Campo Grande (MS), por uma publicação irônica feita em uma rede social em 2018.
A decisão, tomada nesta última terça-feira (29) pela 2ª Câmara Criminal da Corte, reforça uma escalada preocupante de cerco à liberdade de expressão e uso seletivo da Justiça para perseguir adversários ideológicos.
Na publicação discutida na ação, o político do PL teria utilizado um tom sarcástico para ironizar estereótipos atribuídos a eleitores de direita no âmbito da eleição presidencial de 2018, quando Jair Bolsonaro venceu o petista Fernando Haddad no segundo turno.
“Não vejo a hora do Bolsonaro vencer as eleições e eu comprar meu pedaço de caibro para começar meus ataques. Ontem nas ruas de todo o país vi muitas famílias, mulheres e crianças destilando seus ódios pela rua, todos sedentos por um apenas um pedacinho de caibro para começar a limpeza ética que tanto sonhamos! Já montamos um grupo de WhatsApp e vamos perseguir os gays, os negros, os japoneses, os índios e não vai sobrar ninguém. Estou até pensando em deixar meu bigode igual do Hitler. Seu candidato coroné não vai marcar dois dígitos nas urnas, vc já pensou no seu textão do face para justificar seu apoio aos corruptos no segundo turno? (SIC)”, dizia o comentário, feito em setembro de 2018 em resposta a um terceiro envolvido.
O vereador, que na época era apenas empresário, sem mandato, prestou depoimento afirmando que o conteúdo jamais teve a intenção de incentivar qualquer tipo de ódio ou violência — algo também confirmado pelas testemunhas ouvidas no processo.
Ainda assim, o Ministério Público o denunciou sob acusação de praticar discriminação contra minorias. Em primeira instância, Rafael Tavares foi condenado com base na Lei de Racismo, que consiste em praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

A pena foi fixada em mais de dois anos de reclusão, substituída por prestação de serviços comunitários e multa de 20 salários-mínimos. Agora, mesmo diante da fragilidade da acusação, o TJMS manteve a sentença em segundo grau, alegando que a ironia da publicação “não era evidente o suficiente”.
A defesa do parlamentar também questionou pontos centrais do processo: desde a competência da Justiça Estadual — uma vez que o suposto crime seria de competência da Justiça Federal — até a validade das provas, já que o print da postagem não possui origem verificada, portanto, houve quebra da cadeia de custódia. Nada disso, porém, foi levado em consideração pelos desembargadores.
Especialistas em Direito Penal e Processual Penal ouvidos pelo Conexão Política alertam para o risco de abertura de um grave precedente jurídico, no qual manifestações irônicas ou de cunho sarcástico passem a ser tratadas como condutas criminosas no contexto da internet.
“Li atentamente os autos do processo e considero a decisão extremamente preocupante, tanto sob a ótica jurídica quanto sob a perspectiva democrática. O Direito Penal deve ser sempre a última ratio — um recurso excepcional, reservado para coibir condutas inequivocamente lesivas aos pilares de uma sociedade livre e democrática. No caso concreto, não há elementos mínimos que sustentem a configuração do dolo por parte do vereador, tampouco a intenção de incitar terceiros à prática de crime”, declarou o advogado criminalista Paulo Cunha, consultado pelo Conexão Política.
Ainda segundo o jurista, “a análise técnica revela que se tratou de uma manifestação com nítido animus jocandi — intenção de brincar ou ironizar — conforme reconhecido, inclusive, pela própria suposta vítima nos autos”.

“A criminalização de figuras de linguagem ou do discurso crítico, ainda que ácido, representa um retrocesso perigoso para a liberdade de expressão e fragiliza as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição”, complementa o advogado.
“Naturalizar a criminalização de discursos irônicos, sarcásticos ou mesmo falas infelizes é institucionalizar a perseguição política sob o manto da legalidade. E isso é incompatível com qualquer concepção séria de Estado Democrático de Direito”, finalizou Paulo Cunha.
Com a decisão do TJMS e a rejeição do recurso contra a sentença de primeiro grau, o próximo passo do parlamentar deverá ser apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, para tentar reverter os efeitos de sua condenação.