Na tarde desta terça-feira (30), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu o pedido de liminar em habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora a decisão tenha sido recebida com entusiasmo por alguns setores, é precipitado enxergá-la como um ponto de inflexão no cenário jurídico que envolve o ex-presidente.

O habeas corpus, impetrado junto ao STJ, foi fundamentado, entre outros argumentos, na alegada inconstitucionalidade da execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Trata-se de tese que, embora já tenha sido objeto de diferentes entendimentos ao longo do tempo, ainda provoca debates intensos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com a negativa da liminar e a iminente denegação do mérito, o caminho natural do processo é a interposição de recurso ao STF, Corte onde a atual composição majoritária tem, historicamente, demonstrado posição contrária à execução antecipada da pena — posição que, inclusive, fundamentou o julgamento das ADCs 43, 44 e 54, que resultaram na reafirmação da presunção de inocência até o trânsito em julgado.

É exatamente nesse ponto que reside a estratégia da defesa: independentemente da decisão do STJ, o encaminhamento da discussão ao Supremo representa uma possível vantagem tática, dado o perfil da maioria dos ministros que compõem a Corte — sete dos quais foram indicados por governos petistas.

Essa análise ganha ainda mais peso diante da atuação do ministro Humberto Martins, relator da medida no STJ, que, apesar de vínculos familiares com um dos advogados de Lula — seu filho é sócio de Cristiano Zanin —, não se declarou suspeito para o julgamento. A decisão monocrática, nesse contexto, acaba por facilitar o deslocamento da controvérsia para o STF, o que pode ter sido um movimento calculado.

É evidente que, do ponto de vista processual, a defesa do ex-presidente utilizará todos os instrumentos disponíveis em busca de garantir a liberdade do réu. A utilização estratégica do habeas corpus, aliada ao princípio do devido processo legal, faz parte da lógica processual penal brasileira, ainda que se provoque críticas quanto à morosidade e à multiplicidade de recursos.

No horizonte, está delineado um roteiro: concentrar os recursos e pedidos cautelares no Supremo, garantir a não execução da pena, manter Lula em liberdade e, eventualmente, abrir caminho para uma candidatura — mesmo que a situação jurídica ainda esteja indefinida.

Não surpreende que a defesa aposte na jurisprudência do STF como trunfo. Afinal, não seria de se espantar se o processo acabasse nas mãos de um relator historicamente alinhado à tese da primazia da soberania popular ou ao garantismo penal, como já visto em julgamentos anteriores.

E quanto à Lei da Ficha Limpa?

É certo que, nos moldes atuais, a condenação em segunda instância impede a candidatura de Lula, nos termos do artigo 1º, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar nº 64/1990. No entanto, se o STF conceder uma liminar suspendendo os efeitos da condenação — especialmente se fundamentada em eventual vício processual ou na inconstitucionalidade da execução antecipada —, o ex-presidente poderá registrar sua candidatura.

Em caso de vitória eleitoral, a situação será levada ao crivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e, inevitavelmente, ao STF, onde o princípio da soberania popular frequentemente é invocado para relativizar exigências formais diante de mandatos legitimamente conferidos pelo voto direto, ainda que haja pendência judicial.

Enquanto isso, cabe à sociedade acompanhar atentamente os próximos capítulos, esperando que as instituições ajam com serenidade, respeito à legalidade e absoluta imparcialidade — evitando, assim, que o ordenamento jurídico seja desfigurado por conveniências políticas ou interpretações casuísticas.